terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Retrospectiva 2007: a matéria mais emocionante

Confessionário Maria Rita
* por Armando Antenore
Maria Rita com a caixa de maquiagem a que costuma recorrer antes dos shows. Apreço pelas gentilezas masculinas.


A MÚSICA lhe pertence há tanto tempo - como o mar à sereia, se existissem sereias - que já não sabe exatamente quando cantou pela primeira vez. Mas se recorda bem de que, jovenzinha, arrancava lágrimas das platéias domésticas mal iniciava um lalaiá qualquer. Outros, diante de reações similares, exultariam. Ela, não. Ficava furiosíssima. - Certa noite, em Miami, visitava uns amigos com o pai, o compositor e arranjador César Camargo Mariano. De repente, apareceu um violão (violões sempre apareciam do nada naquela época). "Canta, Maria Rita, canta", pediram em coro. César, que dedilhava o instrumento, tratou logo de dar a deixa, e a garota cantou. Pronto: cinco ou seis pessoas abriram o berreiro. Maria Rita, com apenas 18 anos, não viu a menor graça. Fechou a cara e saiu de lá corroída pela dúvida que teimava em assombrá-la e que só recentemente a abandonou: "Estão chorando por que de fato os emociono ou por que se lembram de minha mãe?".

AINDA HOJE, mantém cautelosa distância dos discos que Elis Regina lançou. Dói ouvi-los. Se os escuta, avista de novo o carro que a Pimentinha gostava de dirigir e revive mais uma vez o curto período em que moraram juntas na praia da Joatinga. Tinha 4 anos quando a mãe morreu. Pouca idade para evocar tão nitidamente o carro de incontáveis passeios e a praia carioca de areia muito branca. Entretanto, preserva-os incólumes na memória, à semelhança de alguns outros lugares, objetos e episódios que dividiu com a intérprete. Quais? Não os revela por uma questão de justiça. Elis já legou, para o país inteiro, milhares de recordações públicas: fotos, entrevistas, músicas, registros em DVD. À fi lha caçula, restaram meia dúzia de situações íntimas. É justo que não as compartilhe com ninguém. - O único LP da cantora que se permitiu explorar realmente chama-se Elis, Essa Mulher. Chegou às lojas em julho de 1979. Vinte e dois meses antes, Maria Rita nascera. Seduzida pelo título confessional do álbum, devorou as dez faixas na esperança de descobrir o que a mãe sentia durante as gravações. Desta vez, estranhamente, não se preocupou com as dores e os sobressaltos que a aventura pudesse lhe trazer. Retornou da investigação convicta de que, naquela fase, Elis se encontrava madura, forte e serena. "Essa menina, essa mulher, essa senhora/ Em que esbarro toda hora no espelho casual/ É feita de sombra e tanta luz/ De tanta lama e tanta cruz/ Que acha tudo natural", segredava a artista na canção de Joyce e Ana Terra que inspirou o nome do disco.

CRIANÇA, Maria Rita se espantou profundamente quando lhe mostraram o clipe de Thriller. Não teve medo da gargalhada sombria que encerra o vídeo de 1982 ou dos zumbis que brotam das sepulturas enquanto Michael Jackson dança. Foram os movimentos geométricos e hipnóticos do cantor que a impressionaram: "Uau! Megapowersuperplus!". Tornou-se fã do pop star e não abdicou da admiração mesmo depois de vê-lo sucumbir às próprias maluquices. Em 2001, por exemplo, ouviu Butterfl ies, do fracassado álbum Invincible, e pirou: "A letra é extensa demais. Não devia encaixar na música, mas encaixa. Como o desgraçado consegue?". - Relaciona o declínio de Michael à pior das infinitas tentações que atormentam os famosos: a onipotência. Pobre do mortal que se imagina dono do mundo. Está à beira da tragédia. Ela garante que jamais alimentou delírios do gênero. Ligar para a casa de alguém após as 10 da noite, furar a fi la do cinema, perambular por festas bacanas sem convite, entrar de chinelo e camiseta rasgada num restaurante de luxo? Não, nem às estrelas concede tamanhas indelicadezas.

"PERCA O JUÍZO, Maria Rita!" Na adolescência, saindo para a balada, costumava escutar o conselho divertido da madrasta. "Volte tarde, beba muito, se jogue." Perca o juízo. Ainda assim, Maria Rita não o perdia. Foi sempre "a certinha", "a caxias", "a caretona". Arrumava o quarto todo domingo e lavava os pratos do almoço familiar numa ótima. Fez duas faculdades simultaneamente, ambas em Nova York: Comunicação Social e Estudos Latino-americanos. Se os amigos enchessem a cara ou fumassem às escondidas, pensava: "Que babacas!". Não ficava com mais de um garoto na mesma noite. Nunca comparou a madrasta às bruxas de Walt Disney. Pelo contrário: gostava tanto de Flávia que a apelidou de "boadrasta". - Raras vezes se sentiu tão feliz quanto agora. Completou 30 anos em setembro e não enfrentou nenhuma crise. Angústias profissionais, desconfortos físicos, nada a infernizou. Fácil explicar: já nasceu com 30 anos. Estava apenas aguardando que o tempo de fora alcançasse o de dentro.

EM 2003, logo que engravidou de Antonio (seu filho com o cineasta Marcus Baldini, de quem se separou), adquiriu uma inusitada fobia de automóveis, ônibus e motos. O fantasma surgiu de mansinho durante os primeiros meses de gestação e acabou virando um suplício. Mal se surpreendia num congestionamento, a cantora - que até então não guiava - caía em desespero, sem identificar direito o motivo. Só ousava trafegar por ruas calmas. Como sempre lhe disseram que o melhor remédio contra o medo é a coragem, decidiu ingressar numa auto-escola e tirar carta. Hoje dirige tranqüilamente. - Quando passa um dia longe de Antonio, mergulha num vazio imensurável. Desequilibra-se, perde o norte. Agora compreende por que a relação entre mãe e fi lho é capaz de substituir todas as outras. Sabe que nem o pai, nem os irmãos, nem um marido teriam o poder de fazê-la abandonar o palco. Mas se o Antonio quisesse... - Com 16 anos, jogou futebol no colégio. Zagueira, espelhava-se em Ronaldão, do São Paulo, e ainda não manifestava por completo a faceta "mulherzinha" que exibe atualmente. Adora brincos e pulseiras douradas, entende de maquiagem e aprecia galanteios masculinos. Homem que é homem paga a conta, puxa a cadeira para as moças e não permite que elas caminhem pelo lado de fora da calçada. Maria Rita, aliás, pretende transformar Antonio num gentleman, ensinando-lhe os mistérios do cavalheirismo. Ai do moleque se não aprender...


Fonte: http://bravonline.abril.com.br/indices/primeirafila/primeirafilamateria_261779.shtml?page=2

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